hêrmania e as hortênsias

Hêrmania.

Com H e acento circunflexo .

Assim como as hortênsias.

Repetia o nome da minha avó, sempre que alguém me o perguntava.

Ninguém o escrevia bem, numa primeira tentativa.

E se a pudesse descrever em poucas palavras, era assim.

Como o seu nome.

Sui Generis.

Única.

Em frente ao alpendre, onde me sentava com ela, nas noites de estio, estava um canteiro pequenino, e ocupado em toda a sua extensão , por hortênsias azuis.

As nossas flores azuis.

Achava eu, fazendo a analogia ao Pequeno Príncipe, que não existiam no mundo Hortênsias azuis como as da Hêrmania.

Anos e anos mais tarde, quando cheguei aos Açores, achei que a minha avó tinha lá ido plantar as nossas flores azuis.

Durante anos vivi com ela.

Dormíamos no sótão, (a divisão melhor da casa, poi estava mais perto das estrelas) .

E ela ressonava a noite toda.

Gradualmente habituei-me aquele respirar sonoro, e ainda hoje, acordo de noite e sinto saudades daquela espécie de melodia, como se uma luz de presença fosse, e me apaziguasse os medos.

A cozinha era um laboratório diário.

Eu dizia que a minha avó era a cientista das magias.

Os pastéis de molho que saiam daquele espaço, levavam a que o bater na porta, fosse constante.

Ainda hoje, guardo o cheiro, o sabor, a dedicação e o amor, naquele trabalho que a permitiu sustentar uma família.

Recordo uma véspera de natal.

Dentro da casa, onde existiam as hortênsias, era um entra e sai de gente.

A consoada era preparada.

A família chegava.

Eu lembrei-me de percorrer a pé o meu bairro.

Sozinha.

E foi um percurso de eternidade.

As ruas estavam desertas e eu sabia, que havia uma casa, com um pequeno canteiro, onde lá dentro me esperavam.

Onde eu era feliz.

Não estava sozinha.

E naquela noite, aquela menina, percebeu o que era o natal.

Guardo no meu coração tudo o que foi bom de guardar.

Do bairro do amor, das paredes daquela casa.

Das nossas estrelas vó.....

Hoje os papéis inverteram

São os meus filhos que um dia irão perceber, que eu estarei aqui.

Hoje sou eu a adulta.

E as saudades que tenho de .... só por um dia.... voltar ao teu abraço.

Ao cheiro da tua cozinha.

Regar as nossas hortênsias.

E saber que ali, no outro tempo, me amavas incondicionalmente.

Só porque sim

Porque fazia parte de ti.

E esta é a definição de amor, que deixo para o vosso domingo.

Que haja sempre alguém na nossa vida, onde tenhamos vontade de regressar a.....

Que haja sempre um canteiro de flores azuis.

E alguém que espere por nós.

Porque é assim que a vida faz sentido.