olhar(es)

 

Giro como os meus olhos encontraram os teus. Assim meio perdidos, meio tristes, meio silêncio que quer rasgar e libertar o som que vem de dentro. Na verdade, a primeira vez, a nossa primeira vez, foi um reconhecimento. Finalmente estavas ali à minha frente e fiquei voluntariamente presa naquele olhar agrilhoado. Passei, desde esse dia, a ver-te em cada olhar que por mim passava, em cada sorriso, em cada vulto que te assemelhava. E tornaste-te na minha inspiração diária. És a música que toca dentro de mim a cada instante. A loucura do meu racional. És a minha poesia. Já não saberia viver, sem a tua alegria, Meu amor, como viveria eu agora sem esta parte? A parte em que tu e eu somos um. Almas entrelaçadas Ensina-me então, a esquecer-te. Melhor. Esquece de me ensinar a não amar-te.

vida(s)

 

Ainda não percebi o que se passou comigo.

Há umas décadas atrás era tudo tão diferente.

Fui feliz.

Era bonita.

Casei.

Tive dois filhos.

Objectivos.

Sentia que a vida fazia sentido.

Mas o tempo foi passando.

Também passou por mim.

Envelheci.

Hoje ninguém olha para mim.

Não como olhavam outrora.

O cabelo ficou grissalho.

O corpo amarrotado.

labirintos

 

Ainda me desarma esse teu sorriso amor.

Como se fosse a primeira vez que o fizeste e ao fazê-lo me prendeste nele.

Como quando te conseguia ver sorrir de olhos fechados, em mim, e me apaziguavas o coração só de imaginar-te.

Via em ti um menino tímido cativo num corpo de adulto soturno, e com o tempo aprendia-te.

Cada vez que sorrias, o sol brilhava mais forte, como a dizer-me que eras verão em mim.

E cada vez que sorrias eu devolvia-te um sorriso de volta, como quem retribui pedaços de afecto.

E deste-me asas amor, de cada vez que percebia que contigo era feliz.

Sei que a vida é um eterno enigma, nem sempre percebemos porque existe quem fica nela e quem vai embora.

Quem passa por nós sem nada deixar, e quem vá e deixa saudades.

Amar alguém de forma pura, a quem damos apenas sorrisos, porque temos vontade de sorrir, é um privilégio.

No obstante, existem em nós encruzilhadas, como quem caminha num labirinto manipulado sem saída aparente.

travessia

 

O tempo passou por nós amor Ou nós passamos por ele, Como quem saboreia um chocolate quente num dia frio. Nem demos conta. E ao passarmos, nós e o tempo, Um pelo outro Fomos somando vida à vida que tínhamos antes de haver um nós. Enriquecendo-nos com as somas da vida no seu tempo. Ao partilharmos, ao sermos cúmplices aprendemos a valorizar a travessia que é a existência humana como algo que transcende a morte e o fim. O fim é algo que não interessa mais. A vida é breve e há amores que se demoram nela, diluindo-a e prolongando-a Como quem olha para o horizonte e tenta destrinçar céu e mar que se misturam e nos confundem o olhar. Amo-te. Enquanto houver vida em mim E mesmo que sendo breve já é longa e imensa ao teu lado. Vale pela travessia.

triste

 

Hoje queria ter sido forte. Forte o bastante para segurar as lágrimas que me corriam pela face. Gostava de ter tido a capacidade de olhar-te nos olhos e fingir que era feliz. Sorrir-te apenas. Mas tu conheces-me. Contigo não sei ser quem não sou não é? Há momentos nas nossas vidas que apenas não conseguimos mais segurar a máscara da fortaleza, e as fragilidades caem em camadas como pássaros em cativeiro, agora num céu aberto e infinito. Tento entender o que se passa. Entender-me. O que sinto. E hoje, hoje só consigo dizer-te que estou triste. Como quando chega o outono, num prenúncio de inverno anunciado. Perdi em mim uma série de sonhos que havíamos conquistado, e hoje nem me apetece acordar, na vã esperança de resgatar esses sonhos enquanto durmo. Perdi a vontade de cantar, como outrora, sem motivo, ou pelo motivo maior de estar feliz. Como quem se esquece das letras e não conhece mais as músicas. E a poesia amor, a poesia que te dedicava, secou, como tinta ressequida com o calor do sol. Não consigo mais escrever. Perdi a poesia que vivia em mim. Hoje queria ter sido forte. E dizer-te apenas que te amo e não desisto.

desapego

 

Há umas décadas atrás

Sem que eu desse conta

Ramificou na minha alma

Um jardim onde proliferavam

Flores do desapego.

Umas flores sem cor

Sem cheiro

Que viviam da falta de luz

Da falta de calor humano

Viviam da frieza dos sentimentos.

Dei por mim a evitar os abraços

Os apertos de mão

Os beijos

Evitava criar laços.

Talvez tivesse sido

hoje

 

Hoje passei por ti mas não te vi.

Hoje passaste por mim, mas não me viste.

Passámos ambos, um pelo outro.

Ambos alheios a nós. Indiferentes.

Só olhando à nossa volta.

Passaremos muitas vezes mais

Um pelo outro.

De todas as vezes não mais nos veremos.

Não como olhávamos outrora.

Passaremos.

Apenas.

Um pelo outro.

Suceder-se-ão os Outonos

Somá-los-emos na nossa vida.

Não mais existirá aquele Outono

a vida não é uma droga

 

Quinze anos.

Necessidade de abarcar o mundo na palma da mão.

Sentir. Sentir muito.

O tempo urge.

Vontade de conhecer, de querer, de saber.

Sentir as emoções até roçar o limite.

Velocidade. Loucuras.

Tudo faz parte.

A fronteira entre o bom e o mau

É ambigua

Hoje somos felizes

Amanhã miseráveis.

Somos um mar agitado

De sentimentos divergentes.

Adolescentes.

hora(s)

 

Quando a nossa hora se aproximava

O meu coração dessarrumava-se

Como que agitando a alma

Num reboliço constante

Assim como quem transborda de felicidade

E não existe mais espaço

Para espaços arrumados.

Nessa hora instalava-se o caos emocional

E por uma hora o mundo parava

E amavamo-nos como se as outras horas

fossem meros fragmentos de tempo sem importância.

Aqui e agora no meu relógio essa hora não passa mais.

Como que quando ela chega

Em mim se cruza um buraco negro

Um buraco a céu aberto onde o tempo cristalizou.

despedida(s)


Resolvi escrever uma cena. Pelo dia de ontem e porque me apeteceu. Partilho-a com os meus amigos. Bom domingo.

Todos os dias me despeço de ti

Como se não existisse mais nascer do sol

Nem mais anoitecer.

Como se houvesse chegado ao fim da linha da nossa história.

Ou mesmo de uma das nossas vidas.

Nem sei porque o faço.

Digo-te sempre adeus

Como nunca o faço a mais ninguém.

Há muito que és a excepção das minhas regras

Por mim impostas.

Para todos um até já.

Para ti um adeus constante e diário.

Fui dentro de mim procurar a resposta

me

 

Amálgama de Eus

Que se misturam entre si.

Me baralham.

Me confundem.

Se diluem entre um princípio e um fim.

Quem sou eu afinal?

Que raio faço eu aqui?

Por vezes Sol brilhante

Imenso

Por vezes Sol soturno

Tímido

Obscuro

Moribundo

Distante

Ausente

porque te amo eu assim


Nunca te devia ter olhado nos olhos uma primeira vez.

Nesses olhos tristes.

Acutilantes que me rasgam a alma e me desnudam o ser.

Olhei e fixei-me neles.

Apaixonei-me.

Mea culpa.

Capitulei-te.

Agora é tarde para voltar ao ponto de partida.

Aquele ponto em que te olhei nos olhos uma primeira vez

Como que um ponto de exclamação.

Já fazes parte de mim.

Fazes parte de mim com um parêntesis

Que mais parece um ponto final.