menina

De há uns tempos para cá dou comigo a questionar-me o porque de a generalidade das pessoas me tratar por menina.

Não foi necessário despender muito tempo para chegar a algumas conclusões.

Contra factos não há argumentos. Sou de facto uma menina. Ponto.

Não. Não é pela aparência que essa denuncia a minha meia-idade.

Mas, a verdade é que grande parte do meu tempo, no meu mundo, não me apetece ser adulta.

O mundo dos adultos é tão complicado meus amigos.

Existe tanta maldade junta. Tantos jogos de interesse.

Tanto fazer de conta na vida real que eu optei por viver a sério numa vida de faz de conta.

Faço de conta que nada disso existe.

Faço de conta que todos os meus conhecidos são meus amigos.

Faço de conta que o altruísmo e a filantropia não são apenas palavras caras.

Que existem.

Faço de conta que pode ser Natal todos os dias.

Faço de conta que não existe fome.

Faço de conta que o ser humano não se mata entre si.

Faço de conta que ainda vale a pena viver.

Por tudo isto, concluí que não me importo.

Não quero deixar de ser menina.

Se um dia o deixar de ser é porque passei a fazer parte de um mundo que não é o meu.

Menina. Ponto.

***
[escrito no ano 2000]

as horas

Que horas são?

Não tenhas pressa amigo, amiga

Irmão, irmã

De viver,

De crescer,

De envelhecer

Até ao adormecer da tua alma

Atropelámo-nos diariamente

Numa corrida desenfreada

Para chegarmos primeiro

Não interessa onde.

Passamos dias sem dizer Amo-te

Àqueles que realmente importam

Àqueles que estão sempre ali

Mesmo que não nos lembremos que existem.

Fica sempre tanto por dizer ao fim de um dia....

Somos seres mecanizados por um relógio

Por um horário Por uma rotina.

E para que?

Faz sentido tudo isto?

Também não sei.

Não tenhas pressa...

Observa o mundo ao teu redor.

Olha, sente, reage Vive.

Amanhã quem sabe. Não tenhas pressa...

***
[escrito no ano 2000]

ilusões


Todos nós, a certa altura da nossa vida, fomos construindo castelos na areia.

Neles depositámos sonhos, ideais.

Em cada ameia um desejo

A cada grão de areia uma certeza.

Mas os castelos de areia são apenas isso.

Castelos feitos de areia.

Perecíveis.

Como os nossos sonhos,

As nossas certezas,

A nossa vida.

Com o passar do tempo inevitavelmente desmoronam-se

E a certa altura, a magia da construção não faz mais sentido

Torna-se híbrida

E o croqui do castelo

Apaga-se da nossa memória

Apenas porque nela já não existem castelos de areia.

***
[escrito em outubro de 2000]