desapego

 

Há umas décadas atrás

Sem que eu desse conta

Ramificou na minha alma

Um jardim onde proliferavam

Flores do desapego.

Umas flores sem cor

Sem cheiro

Que viviam da falta de luz

Da falta de calor humano

Viviam da frieza dos sentimentos.

Dei por mim a evitar os abraços

Os apertos de mão

Os beijos

Evitava criar laços.

lábios vermelhos

 


Conheci uma senhora que me marcou por ser uma pessoa fria.

Fria da cor do gelo.

Parecia que nada a abalaria.

Que não sofria.

Que não sentia.

Só tinha uma preocupação que a inquietaria

A sua figura.

Os seus lábios vermelhos.

De um vermelho intenso

Contrastando com o incolor da sua vida.

Com a ausência de vermelho do seu coração.

viagem

 


Decidi voltar a pegar na caneta e fazer algo que me dá tanto prazer:

Registar estes meus pensamentos desalinhados, em linhas rectas de raciocínio.

Tentar que façam sentido.

É a primeira vez que escrevo para ti e isso deixa-me nervosa.

Quase tanto como a primeira vez que te vi.

Não obstante, o nervosismo funciona como o motor que acende o rastilho dos sentimentos.

A adrenalina que sinto dentro de mim e me move a avançar, sem medo.

És um mistério ainda.

Mais que eu.

E isso seduz-me ao invés de me afastar.

Enigmas e lados lunares sempre me cativaram.

O fácil aborrece-me.

estrelas

 


Hoje teria sido o dia certo para me ter despedido de ti.

Olhei-te nesses olhos imensos, meigos, doces e não consegui pronunciar uma única palavra como que se alguém me prendesse os movimentos e me toldasse as ideias.

Nem uma palavra saiu. E olhava-te nesses olhos imensos.

E tanto que eu tinha para te dizer meu amor. Tanto.

Ter-te-ia dito que trocava a minha realidade por um sonho se nesse tu estivesses mas que nem essa possibilidade me é proposta.

Escolhas vedadas. Todas. E eu insisti até hoje apenas porque te amo mais que tudo.

Cheguei ao limite do racionalmente tolerável e hoje ter-te-ia dito que és o amor da minha vida, que não sei viver sem ti e por isso me vou embora.

Tornou-se insuportável o vazio de um coração a transbordar de amor.

Perdoa-me.

Mas também sabes que eu não gosto de despedidas, logo esta minha cobardia é justificável por este meu jeito de ser.

sabores

 
Algures no tempo surge em nós a necessidade de aprender a cozinhar.

Misturar ingredientes. Descobrir simbioses entre paladares.

Embarcar na aventura dos sabores.

Sabemos de antemão que os nossos primeiros feitos serão uma desgraça anunciada.

Sal a mais.

Pimenta a menos.

Liquefeito.

Estorricados.

Mas seguimos em frente.

Aprimoramos a técnica e gradualmente

Quase que instintivamente acertamos na dosagem perfeita.

O mesmo se passa com as relações humanas.

Surge uma altura em que há necessidade de as condimentar.

Imprescindivel a dose certa.

Amor qb

fairytales

 

Faz agora dois meses, para completar um ano, desde que morreste em mim.

Peixoto teria escrito “morreste-me”.

Essa seria a existir a perfeição da expressão exacta, neste abstracto em que vivo.

Amálgama de fragmentos de tanta coisa que ficou por dizer. Para te contar. Como se o quisesses saber. Como se importante fosse.

Mas....morreste-me....os motivos são só teus.

A fase de os esmiuçar e quiçá entender , desvaneceu e perdeu a intensidade, há medida que a mágoa foi fortalecendo.

Há medida real do tempo que medeia entre a tempestade e o que resta de paz quando o Sol espreita e conseguimos, finalmente olhar para o horizonte e perceber os estragos que ela deixou.

A paz... que um dia irei encontrar.

Que almejo.

Mas o tempo ensina que depende de nós.

Sempre assim foi meu amor. Não há D. Quixote.

tu eu e o céu

 
Dei por mim a olhar o céu azul.

Minuciosamente

Instintivamente

Como sedenta dele. Do seu azul.

Da sua paz.

Olhei-o e parei o meu olhar naquela nuvem.

Destacava-se das outras

A imaginação corria.

Percebi

Eras tu

Era o teu sorriso.

Nítido e claro.

Cristalino e doce.

E o céu deixou de ser azul.

Ganhou outras tonalidades.

ponto final

 

Que estranhas são por vezes, as voltas que as nossas vidas assumem sem pedirem ou quererem.

Aguardei meses e meses, que somados aos dias de sofrimento, se pareceram dilatar ainda mais neste tempo, real.

Nunca irei entender os porquês.

Apetece dizer que te odeio, por teres desistido de um nós, em nome de um Tu.

Nem sei se te odeio.

Sei que o meu amor por ti, agora não tem mais um retorno.

Só existiu de um lado. E isso doí tanto.

Teria dado tudo de mim, só para que entendesses isso.

Só para deixares por um segundo de pensar em ti, de ser egoísta.

Aprendi ao longo destes anos que o Amor não muda ninguém.

Acreditei que sim.

Que existia em ti uma parte só minha. E eu gostava tanto dessa parte.

A parte em que eras o meu melhor amigo.

meu amor

 

Escrevi milhentas vezes “meu amor”, e nessas milhentas vezes, permiti que perfilhasses o amor meu, como algo que te pertencesse em exclusivo.

Soa estranho, aqui e agora, nesta milhenta e uma vez, escrever “meu amor” e apenas soar um eco de vazio, como quem procura no nevoeiro um raio de sol.

A chuva trouxe de volta o cheiro de memórias, que tinha deixado a secar na varanda dos meus pensamentos.

Voltou a traze-las, com um cheiro de mágoa e dor, que tal como a chuva que abre a terra seca e a penetra, assim ele é intenso dentro de mim ainda.

Tentei eternizar os momentos bons.

Aqueles em que ano após ano, dizias que estarias sempre para mim.

Que tinha que ser forte.

Que era o teu fim da linha.

Fui forte.