lábios vermelhos

 


Conheci uma senhora que me marcou por ser uma pessoa fria.

Fria da cor do gelo.

Parecia que nada a abalaria.

Que não sofria.

Que não sentia.

Só tinha uma preocupação que a inquietaria

A sua figura.

Os seus lábios vermelhos.

De um vermelho intenso

Contrastando com o incolor da sua vida.

Com a ausência de vermelho do seu coração.

Todos os dias mal acordava

Os seus lábios pintava.

Passava o dia nisto.

Dia após dia.

Batôn atrás de batôn.

Podia o mundo acabar

Mas os lábios tinha que pintar.

O tempo passou.

Enviuvou...

Sozinha ficou.

Na verdade acho que nunca amou.

Foi ficando sozinha

Tendo o batôn por única companhia.

Um dia fui visita-la.

Parecia desfigurada.

Sem cor.

Cinzenta.

Agora ainda mais fria.

Tinha decidido deixar de viver.

Já mais nada importava.

Percebi isso mal a vi.

Os lábios?

Já não os pintava

Estavam como sempre foram

Sem cor

Frios.

Vazios....

Como toda a sua vida.

Cristina Vaz

(Não tenho a genialidade de inventar personagens...limito-me a estender o meu pensamento sobre a vida real tentando embelezar apenas....como quem pinta os lábios....se um dia deixar de escrevinhar será assim um pouco...um desistir de viver)

 

3 comentários:

  1. Este texto, noto, vem de 2018 e faz, com outros da mesma época, a abertura de uma nova fase das notas de CV.

    No período anterior (Março/2017 a Junho/2018) lemo-la poética e aparentemente extrospectiva, como se fosse autobiográfica. Em ‘Lábios Vermelhos’ parece-nos encontrá-la analítica e objectiva, como se fosse ensaio psicológico.

    Mas quem conhece e apreendeu o essencial de CV (o geral do sentido da sua escrita e da própria personalidade literária) chega facilmente à conclusão de que aquela dualidade de estilos é apenas aparente: ‘Lábios Vermelhos’ começa pela procura do humano na estridência dos seus sinais exteriores e termina pela tradução desses sinais – à primeira vista frívolos e despiciendos – para o encontro do mais íntimo e essencial do ser humano. Ora, esse caminho que vai do visível até ao profundo é precisamente o mesmo que descobrimos nos textos anteriores. E, diga-se, já agora, exactamente o mesmo que se nos oferece na leitura nas crónicas posteriores (2020-2021). Antes e depois de ‘Lábios Vermelhos’ a escrita de CV tem, afinal, este mesmo sentido da unidade entre aquilo que a autora dá e aquilo em que se dá. E aí está o fascínio de quem a lê.

    ResponderEliminar
  2. A análise de Quadratim desperta-me a curiosidade da autora. Vou servir-lhe o rasto. Bom ano.

    ResponderEliminar