Conheci uma senhora que me marcou por
ser uma pessoa fria.
Fria da cor do gelo.
Parecia que nada a abalaria.
Que não sofria.
Que não sentia.
Só tinha uma preocupação que a
inquietaria
A sua figura.
Os seus lábios vermelhos.
De um vermelho intenso
Contrastando com o incolor da sua vida.
Com a ausência de vermelho do seu
coração.
Todos os dias mal acordava
Os seus lábios pintava.
Passava o dia nisto.
Dia após dia.
Batôn atrás de batôn.
Podia o mundo acabar
Mas os lábios tinha que pintar.
O tempo passou.
Enviuvou...
Sozinha ficou.
Na verdade acho que nunca amou.
Foi ficando sozinha
Tendo o batôn por única companhia.
Um dia fui visita-la.
Parecia desfigurada.
Sem cor.
Cinzenta.
Agora ainda mais fria.
Tinha decidido deixar de viver.
Já mais nada importava.
Percebi isso mal a vi.
Os lábios?
Já não os pintava
Estavam como sempre foram
Sem cor
Frios.
Vazios....
Como toda a sua vida.
(Não tenho a genialidade de inventar
personagens...limito-me a estender o meu pensamento sobre a vida real tentando
embelezar apenas....como quem pinta os lábios....se um dia deixar de
escrevinhar será assim um pouco...um desistir de viver)
Este texto, noto, vem de 2018 e faz, com outros da mesma época, a abertura de uma nova fase das notas de CV.
ResponderEliminarNo período anterior (Março/2017 a Junho/2018) lemo-la poética e aparentemente extrospectiva, como se fosse autobiográfica. Em ‘Lábios Vermelhos’ parece-nos encontrá-la analítica e objectiva, como se fosse ensaio psicológico.
Mas quem conhece e apreendeu o essencial de CV (o geral do sentido da sua escrita e da própria personalidade literária) chega facilmente à conclusão de que aquela dualidade de estilos é apenas aparente: ‘Lábios Vermelhos’ começa pela procura do humano na estridência dos seus sinais exteriores e termina pela tradução desses sinais – à primeira vista frívolos e despiciendos – para o encontro do mais íntimo e essencial do ser humano. Ora, esse caminho que vai do visível até ao profundo é precisamente o mesmo que descobrimos nos textos anteriores. E, diga-se, já agora, exactamente o mesmo que se nos oferece na leitura nas crónicas posteriores (2020-2021). Antes e depois de ‘Lábios Vermelhos’ a escrita de CV tem, afinal, este mesmo sentido da unidade entre aquilo que a autora dá e aquilo em que se dá. E aí está o fascínio de quem a lê.
A análise de Quadratim desperta-me a curiosidade da autora. Vou servir-lhe o rasto. Bom ano.
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