reencontro

Fui educada por uma avó crente e um pai ateu.
A minha avó antes de morrer, costurava retalhos de estrelas numa colcha, que transformou numa enorme constelação.
Era tão perspicaz e inteligente que tornou a morte dela um eufemismo,
Enquanto as costurava ia-se despedindo.
Dizia que um dia eu a iria encontrar ali, numa daquelas estrelas.
Eu escrevia muito sobre a morte
Como uma observadora passiva que tentava descobrir minuciosamente aquele mistério
Não fui ao funeral da minha avó.
Optei por acreditar nas crenças dela.
Achei que já estaria num sítio melhor e ver um corpo gélido que não me ia contar uma estória antes de ir dormir, era algo que não queria mesmo.
Com o meu pai foi diferente
Ele detestava padres e penso que toda a classe dos eclesiásticos
No fundo, detestava a hipocrisia daqueles que iam rezar à missa e eram uns belos de uns filhos da mãe quando de lá saiam,
No fundo detestava tudo aquilo que lhe custava a entender.
E quando chegou a vez de me despedir do meu pai nem tive escolha
Foi o primeiro morto que vi.
Tinha que o fazer.
Deixei de ser uma observadora passiva para estar ali de forma activa
E hoje, a esta distância, acredito que estava de tal modo em sofrimento que nem dei conta dos meus amigos a quem pedi para não irem.....
Queria chorar sozinha
Mas eles foram
E na hora, o meu coração agradeceu em silêncio
desde aquele dia, vivo na dualidade de acreditar na minha avó ou no meu pai.
De achar, que ambos, hoje, estarão a discutir, mas num sitio melhor
e não obstante, sei que não é verdade
E só consigo sentir saudade
A saudade também pode doer
É isso

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